Uma das diversas denominações para o samba da região de Santa Amaro é samba de viola. E a viola mencionada neste caso é a viola machete. Esta não é a viola tradicional com arco — como um violino, mas maior; as violas da música regional brasileira se assemelham a guitarras de doze cordas… com quatro ou cinco pares de cordas… e corpos menores. O corpo da viola machete é ainda menor do que a maioria das variações de viola, conferindo-lhe um som brilhante, útil para cortar o som da percussão e tornar o instrumento audível.
De origem penúltima em Portugal, e origem última na ilha da Madeira, ao largo da costa de Marrocos (ou assim pensavam aqueles que se ocupam com essas coisas), a viola machete se adaptou perfeitamente às necessidades musicais dos africanos no Recôncavo Baiano.

Que o tocava de uma maneira bem diferente dos europeus que o trouxeram para cá, com padrões repetitivos e entrelaçados, semelhantes aos da kora, girando como dervixes polirrítmicos através de percussões multifacetadas (de maneira similar aos seus irmãos do blues primitivo nos Estados Unidos, que africanizaram a guitarra não apenas em termos de microtons, mas também em complexidade rítmica).

Infelizmente, o tempo passou e as violas machetes trazidas de Portugal cederam ao calor, à umidade e ao lassidão do Recôncavo. Ao longo dos anos, um punhado de luthiers nativos da região tem se esforçado para fornecer os instrumentos que antes sobravam das grandes casas nas plantações, mas poucos dos mestres do Recôncavo, nas últimas décadas, conseguiram colocar as mãos em um deles.
Agora, no entanto, um grupo de jovens na cidade de São Francisco do Conde — luthiers por si mesmos — está construindo o instrumento e colocando-o nas mãos dos mestres quase desconhecidos de um instrumento quase esquecido, em um lugar que poucas pessoas no mundo já ouviram falar ou se importariam, se o soubessem. E é lindo!


Abaixo, Milton Primo e Adson Sant’Anna entregam uma nova viola machete a Aurino de Jesus na cidade de Maracangalha (famosa pela canção homônima de Dorival Caymmi)… É uma pena que Aurino não cante aqui… ele tem a voz de um anjo que geme.
Para mais informações (em português) sobre este instrumento e seu lugar na cultura do Recôncavo, confira a dissertação de Cássio Nobre: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/9143/1/Dissertacao%20Cassio%20Leonardo%20Nobre%20de%20Souza%20Lima.pdf
