Afoxés e Blocos Afros de Salvador

Os afoxés e blocos afros de Salvador estão intimamente ligados esteticamente, variações de um tema africano, sendo os afoxés uma questão de ancestralidade e cultura, enquanto os blocos afros – inicialmente, pelo menos, e no caso do Ilê Aiyê, certamente ainda – são uma expressão de empoderamento negro inspirada, em parte, pelo movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos.

Afoxé é basicamente candomblé com a religião retirada… o uso dos ritmos e “cantigas” de candomblé e dança em contextos sociais, não religiosos, como o Carnaval. O principal ritmo associado ao afoxé é o ijexá (ee-zheh-SHAH), uma versão mais sutil e complicada do que você poderia ouvir sendo tocado em uma lata de café Maxwell House em uma festa de conga line em Manhattan. Nos terreiros de candomblé, o ijexá está principalmente associado a Oxalá (o pai) e Oxum (deusa das águas doces), entre outros orixás.

A Embaixada Africana foi o primeiro afoxé, desfilando no Carnaval de 1895. No ano seguinte, o afoxé Pândego da África saiu às ruas, e em 1905 um afoxé subiu a Ladeira da Barroquinha para desfilar pela Ladeira de São Bento, quebrando assim um entendimento tácito de que os grupos de Carnaval das classes econômicas mais baixas (e mais escuras) tinham suas áreas (Baixa dos Sapateiros, Barroquinha, Pelourinho) e as classes mais altas tinham as suas (Avenida Sete de Setembro, Piedade). O maior e mais conhecido afoxé de Salvador – Filhos de Gandhy – foi formado em 1949 por estivadores cuja inspiração foi o filme Gunga Din e cujo nome foi inspirado no grande líder e pacifista indiano (que havia sido assassinado no ano anterior). Outros afoxés incluem ou incluíram Filhos de Korin Efan, Badauê e Filhas de Oxum. De 1904 a 1918, os afoxés foram proibidos de desfilar durante o Carnaval, ostensivamente para combater “crime, ao deboche, e à desordem”.

Moa do Kantendê
A ironia de proibir os afoxés por “crime, debauche e desordem”. O belo Moa do Katendê foi brutalmente assassinado em 8 de outubro de 2018, após uma discussão política. Moa era mestre de capoeira angola e um fundador do afoxé Badauê (vindo de Ilê Aiyê).

Blocos Afros são blocos (grupos) de Carnaval que, simplificadamente, celebram manifestações culturais de origem africana. Os ritmos são geralmente baseados no que é chamado de “samba afro” ou “samba reggae” (que vêm em várias variações) e o vestuário é inspirado na África (em contraste com o afoxé Filhos de Gandhy, cujas vestes se inspiram no subcontinente indiano). Outros blocos afros incluem Muzenza (da Liberdade) e Malê de Balê (de Itapoan), que tiraram a inspiração para o nome da Revolta dos Malês.

Esses grupos – os afoxés e blocos afros – são de longe as manifestações mais bonitas e emocionantes do Carnaval em Salvador. As danças de candomblé, os ritmos intrincados e poderosos, as vestes… um esplendor puro e poderoso! A maioria dos afoxés são relegados ao pequeno circuito de Carnaval de Batatinha, ou ao Terreiro de Jesus.

Geraldão
Um nome digno de Michael Jackson dançar e Spike Lee filmar

Com relação ao nome “Olodum”, o mais conhecido dos blocos afros de Salvador (tanto Michael Jackson quanto Paul Simon já gravaram com eles), o fundador principal, Geraldo Miranda (popularmente chamado Geraldão – Grande Geraldo), que mais tarde fundou o Muzenza (uma “muzenza” é uma iniciada no candomblé angola, o candomblé dos bantus trazidos ao Brasil; a palavra é originária da região do Congo/Angola), conta assim:

“Quanto ao nome do bloco, Olodum, fui eu quem sugeriu, graças a uma amiga, uma filha-de-santo (adepta do candomblé), que mencionou, por acaso, que Olo e Dum eram duas divindades, sendo Olo representando a terra e Dum os céus, sem especificar muito sobre suas origens ou se realmente havia uma base religiosa firme para isso. Juntei os dois nomes e ninguém discordou, e assim ficou, Olodum.”

Independentemente das origens e bases religiosas, Olodumarê é o nome iorubá para a Divindade Suprema, então o nome de Geraldão funcionou.

Página Matrix Olodum

O primeiro presidente do Olodum foi Carlos Alberto Conceição do Nascimento, conhecido como “Carlinhos”. Carlinhos e sua esposa, Dona Vera, têm um lugar encantador no Pelourinho, na Rua Maciel de Cima/João de Deus (a rua tem dois nomes), número 18: O Cravinho do Carlinhos, geralmente comandado por Dona Vera. O local conta com mesas externas em uma rua inclinada, a duas portas de onde administrei minha loja de discos por 15 anos, no número 22. Você será atendido por Maria (uma presença feminina marcante) ou por Roque (um senhor elegante e distinto). Tenho orgulho de ter sido esmagadoramente abraçado dentro do Cravinho do Carlinhos, depois de voltar de Saubara, no outro lado da Baía de Todos os Santos, comprando minha própria cerveja no pequeno balcão interno e dizendo ao Compadre Washington (cofundador do Gera Samba/É o Tchan, o grupo musical mais divertido de todos os tempos!), frequentador assíduo do local: “Acabei de voltar de onde nasceu sua música… o Recôncavo!” E, para completar um círculo aqui, foi o ritmo fundamental do samba de roda — cabila/cabula — que serviu de base para a interpretação rítmica de Neguinho do Samba no Ilê Aiyê, quando ele era membro. Posteriormente, ao se juntar ao Olodum, ele transformou seus ritmos do estilo carioca para o estilo baiano recém-criado por ele. Samba de roda está no DNA da maior parte da música daqui em Salvador, incluindo a dos blocos afros.

O Ilê Aiyê foi o primeiro bloco “moderno”, fundado em 1974 por Antonio Carlos dos Santos, popularmente conhecido, então e agora, como “Vovô” (um apelido que ele incorporou ao longo do tempo), e Apolônio de Jesus, conhecido como Popó. Eles foram inspirados pelos movimentos negros da década de 70 a criar um bloco carnavalesco negro. Vovô foi desencorajado de usar sua primeira escolha de nome para o bloco, “Poder Negro”, por sua mãe, Mãe Hilda, mãe-de-santo da casa de candomblé ao redor da qual o bloco foi formado (o Ilê Axé Jitolu), devido ao racismo da época. Assim, decidiram pelo nome iorubá para o mundo, “Ilê Aiyê”, que significa literalmente “Casa da Vida”. O Ilê saiu pela primeira vez no Carnaval de 1975, cantando o que se tornou um hino: Que Bloco é Esse? de Paulinho Camafeu.

Página Matrix Ilê Aiyê

E aqui preciso personalizar as coisas: Alguns anos atrás, mais de uma década, eu estava a caminho de uma festa de aniversário de Giló do Pandeiro no Boteco do Dy, um boteco que já não existe mais na Rua Chile, depois de ter fechado a loja de discos. Passando pela Praça Municipal, no alto do Elevador Lacerda, vi e ouvi uma apresentação musical no topo das escadas que levam à sede municipal de Salvador, uma ampla área às vezes usada como palco… um grande grupo musical tocando uma canção linda e poderosa baseada no candomblé: Negrume da Noite. E pensei comigo mesmo: “Isso é tão um hino de Salvador… Eu realmente deveria saber quem escreveu uma música tão maravilhosamente icônica!”

Entro no Boteco do Dy, onde as mesas haviam sido arrumadas em uma grande fileira, como em um salão de cerveja alemão, e me sento. Depois de alguns minutos, um senhor entra e se senta diretamente à minha direita, e nos apresentamos. Ele disse que era músico e compositor, e eu perguntei se ele tinha composto algo que eu talvez conhecesse em Salvador… e ele disse (em português): “Minha música mais conhecida é esta… ‘O negrume da noite reluziu o dia, o perfil azeviche que a negritude criou…'”. Este era Paulinho do Reco, que havia sido percussionista do Ilê Aiyê! E compositor da poderosa música que eu acabei de ouvir! Paulinho tem muitas outras composições e é um sambista que toca e canta em rodas de samba pela cidade.

Paulinho do Reco
Paulinho do Reco em Cana Brava Records

Página Matrix Paulinho do Rêco

A estética dos blocos afro, além de musical, é visual. E é deslumbrante! A base de um padrão seminal como tema começou com J. Cunha (José Antônio Cunha, nascido em 1948), artista, cenógrafo e figurinista formado pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia.

J. Cunha
J. Cunha, força principal por trás da estética do Carnaval de Salvador

Página Matrix J. Cunha

Outro importante esteta baiano é Alberto Pitta. Pitta, como é chamado aqui, foi diretor artístico dos Filhos de Gandhy, do Ilê Aiyê e, por 15 anos, do Olodum. Pitta criou o bloco afro Cortejo Afro, para o qual desenvolveu um de seus estilos característicos: branco sobre branco. Além disso, Pitta fundou o Instituto Oyá, dedicado ao desenvolvimento intelectual e artístico de crianças em seu bairro de Pirajá. O instituto é construído em torno do terreiro de candomblé Ilê Axé Oyá, onde sua mãe é a Iyalorixá, mãe-de-santo.

Alberto Pitta
Alberto Pitta de Cortejo Afro

Página Matrix Alberto Pitta