A Bossa Nova está totalmente associada ao Rio de Janeiro, e são poucos os que sabem o que realmente é a bossa nova, e menos ainda os que conhecem seu nascimento baiano.
Primeiro: O que é bossa nova?

A resposta mais fundamental é que a bossa nova é um violão tocando ritmos de samba com a mão direita e harmonias sofisticadas com a mão esquerda. Essa foi, por assim dizer, a invenção de um garoto da cidade de Juazeiro, no norte da Bahia, do outro lado do Rio São Francisco, na fronteira com Pernambuco: João Gilberto.
O samba não estava tão no radar de um grupo de músicos não-pobres no Rio de Janeiro, que buscavam mais influências nos Estados Unidos e no cool jazz. Então João, que já havia tentado a sorte no Rio como — seguindo as convenções da época — um cantor de voz potente e bigodinho aparado, apareceu por lá novamente, desta vez com algo, em certo sentido, novo. Ou, melhor dizendo, com uma nova forma de apresentar algo antigo.
“Bossa” é um jeito estiloso de fazer algo, e aquilo era uma nova bossa, uma “bossa nova”. João foi recebido como uma divindade, e a música feita no Brasil se espalhou pelo mercado internacional. A música de João era belíssima, e até Miles Davis, em um teste de audição às cegas, resmungou: “Quanto ao Gilberto, ele poderia ler um jornal e soar bem! Dê a ele cinco estrelas!” (cinco era a nota máxima).
Mas os jovens e adultos que se atraíram por essa música e que se tornariam suas estrelas não nasceram no samba. A sensação da música mudou. Saiu das provações, tribulações e amores problemáticos dos despossuídos para as reflexões contidas do pessoal dos apartamentos de Ipanema e Copacabana. Deixou os morros para ir à praia. Isso não quer dizer que não fosse ou não seja válido. Mas tendia a abandonar os sofisticados polirritmos que dão ao samba seu poder e glória (embora, com os bateristas certos, esses ritmos às vezes fossem habilmente transferidos para a bateria).
Mas… os deuses do samba, Cartola (que, em certo momento, trabalhou profissionalmente como ritmista — um percussionista) e Dorival Caymmi, ambos escreveram e cantaram sambas lentos que dispensavam a percussão (ainda que seguissem essencialmente a métrica do samba)… o que não significa que abandonaram o idioma emocional do samba, ao contrário de boa parte da bossa nova. Quando a música de Caymmi foi à praia, era para cantar sobre as vidas frágeis dos pescadores que arriscavam suas vidas para alimentar suas famílias, sobre apelos à deusa africana Iemanjá sob as ondas.
No fim, o maior problema da bossa nova foi que muito dela se tornou música de fácil audição. E vendeu o Brasil barato. Em grande parte, o que foi comercializado no exterior era um Brasil estilizado, filtrado pelos olhos e ouvidos de executivos de gravadoras que não tinham em mente a fidelidade, mas sim o lucro. Às custas do Brasil.
O verdadeiro Brasil é melhor do que isso. E João também. (Miles Davis também disse: “Eu não sou particularmente louco por qualquer bossa nova. Eu gosto de samba!”)
