Capoeira: Dance como um Baryshnikov; Desfira como um Kalashnikov

Capoeira. Você, caro leitor, talvez nunca tenha ouvido falar dela, ou talvez seja um dos muitos que sabem pegar um berimbau e tocar os toques, manejar o pandeiro (uma espécie de tamborim) e o atabaque (algo como um conga), cantar as ladainhas e chulas, entrar na roda… talvez com maestria, mas mais provavelmente com mais entusiasmo do que técnica.

Não é diferente aqui na Bahia, onde a capoeira nasceu. Essa capoeira baiana saiu dos canaviais do Recôncavo para os campi universitários pelo mundo afora, de Santo Amaro a São Francisco… Europa, Ásia… está em toda parte.

Ou será que está? Não tenho tanta certeza. As origens da capoeira são obscuras e quase tudo sobre ela é polêmico. Para alguns, ela é quase religiosa, e, como a religião, há aqueles que reivindicam para si mesmos a Verdade, muitas vezes motivados menos pelo respeito e mais pela autopromoção. Quantos pequenos ditadores estão espalhados agora pelas cidades da Europa e dos EUA, desempenhando o papel de profetas da capoeira para alunos sinceros e bem-intencionados, tirando seu dinheiro (e mais) enquanto batem no próprio peito e gritam: “Eu sou da Bahia!”, como se isso fosse suficiente para torná-los especiais.

A Bahia, como qualquer outro lugar do mundo, tem sua cota generosa de pilantras e dissimuladores, e a capoeira mais do que a maioria. A maior parte dos mestres reais daqui tem histórias de serem convidados para workshops fora do Brasil e se depararem com “mestres” que não eram nada mais que alunos aqui e cuja “maestria” foi adquirida (por proximidade maior com os orixás?) durante a viagem de avião para onde quer que estivessem indo. Eles os chamam de mestres de aeroporto…

Este é o tema de um roteiro atualmente em desenvolvimento — Malandro — com Seu Jorge cotado para o papel principal como um vagabundo do Pelourinho que foi para a Europa se passar por O Mestre, só para descobrir que as coisas não saíram como ele esperava.

Seu Jorge
Você faria aulas de capoeira com ESTE cara?

A capoeira chegou ao Rio por volta da virada do século XX, levada pelo mesmo êxodo baiano que levou o samba para a cidade. Ela se transformou em uma luta de rua feroz, onde navalhas às vezes eram presas entre os dedos dos pés para acrescentar cortes e golpes aos grandes chutes giratórios da capoeira.

A capoeira era o estilo de luta preferido de Madame Satã, o durão mais temido da Lapa, provavelmente o travesti mais durão que o mundo já conheceu.

Madame Satã
“Madame” de brigas de rua

Mas a capoeira é como o jazz… difícil de definir, com diferentes pessoas tendo ideias diferentes sobre o que ela realmente é, ou se algo realmente é capoeira ou não (o que Nicholas Payton, de Nova Orleans, toca seria jazz para a maioria das pessoas, mas para ele é simplesmente música de Nova Orleans, o termo jazz tendo se tornado tão amplo que hoje quase não significa nada).

Para mim, assim como o samba, se você tira o Recôncavo da capoeira, ela deixa de ser “ela” de verdade. A essência predominante do Recôncavo em termos das artes de seu povo (e por povo quero dizer a maioria de sua população… escravizada) era uma aspiração à vida e ao viver, um afastamento do desespero e da depressão que seriam naturais para pessoas forçadas àquela posição… a chave essencial da música brasileira, a alegria pervasiva — quase uma meta-alegria — por trás dela. Não é a alegria de alguém que conseguiu um aumento… é a alegria de alguém de quem tudo foi tirado, exceto a própria vida, e que está determinado, apesar de tudo, a viver essa vida.

A música da capoeira, tradicionalmente, era composta pelas canções populares — as chulas — cantadas nas rodas de samba. A capoeira, como o samba, era um esforço coletivo de amigos e vizinhos. Assim como o samba, era feita em círculo. Até hoje, ouvir a capoeira tocada ao som dessas canções interpretadas com o coração é algo profundamente comovente, uma afirmação… é emoção sentida em comum.

Então, no meu entendimento, pés armados com navalhas não são capoeira (vamos dar um desconto à Madame Satã ;). Tampouco são os giros atléticos e os mortais de “capoeiristas” musculosos. Há muita “capoeira” bem aqui na Bahia que, para mim, não é capoeira de verdade. E com as pessoas certas, pode haver capoeira da mais autêntica, em qualquer lugar onde haja gente para jogá-la. Na capoeira, não importa se você ganha ou perde, e nem mesmo como você joga… o que importa é por que você faz isso.

O roteiro de capoeira do nosso querido amigo Simon Brook (mencionado alguns parágrafos acima) para a Chic Films (eles co-produziram o vencedor do Grand Prix O Profeta — Un Prophète em Cannes alguns anos atrás) está preso em desenvolvimento, então, para quem está acostumado a ler roteiros, apresentamos a nossa própria história do garoto de Harlem, Zoom, envergonhado de seu verdadeiro nome “Zumbi”, envergonhado da música na loja de discos de seu pai na 125th Street (seu pai é um imigrante da Bahia, Brasil), envergonhado de sua herança, mas forçado pelas circunstâncias a viajar diretamente ao coração de suas raízes e convencer o avô de seu pai (um mestre de capoeira da velha guarda devoto de Xangô, Ogum, Oxóssi, entre outros) a fazer a viagem de sua vida, para Nova York.

E que tal essa reviravolta? Nossa loja de discos real — Cana Brava — foi baseada em nossa loja fictícia no “filme”! Se você entrar nessa roda, camará, é melhor ficar atento… é melhor tomar cuidado, camará, porque você está em um lugar perigoso e…

THIS DANCE CAN KILL (screenplay)